23 de agosto de 2024
Por Sebastian Soares*
Há dois projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional cuja aprovação poderá contribuir para tornar mais eficaz a prevenção, o combate às fraudes e a reparação mais efetiva de eventuais danos materiais por elas provocados.
O primeiro é o PL 4704/2023, originado na Comissão Parlamentar de Inquérito referente ao caso das Americanas, que se encontrava, até a data em que escrevi este artigo, aguardando o parecer do relator na Comissão de Indústria, Comércio e Serviços da Câmara dos Deputados.
A proposição dispõe sobre ações de responsabilidade civil contra o administrador de sociedade anônima e de reparação de danos contra acionistas controladores e auditores independentes, a divulgação de fatos relevantes e a devolução de bônus e vantagens referentes ao desempenho da companhia na ocorrência de erros ou fraudes. Fica estabelecida a possibilidade de indenização de acionistas minoritários pelo conselho de administração, donos e, eventualmente, auditores independentes.
Outro ponto relevante é a obrigatoriedade de instituição dos comitês de auditoria nas empresas. Entendemos que essa proposta, apesar de ser positiva, necessita de aprimoramentos quanto à forma prevista para a responsabilização dos diferentes agentes no projeto de lei.
Citamos, por exemplo, a necessidade de deixar claro que a apuração da responsabilidade dos auditores independentes deve ser com base naquilo que está previsto nas normas profissionais e regulações como sendo suas atribuições e conduzida em processo separado dos demais agentes.
O segundo Projeto de Lei é o 2.581/2023. De autoria do senador Sérgio Moro (União-PR), já foi aprovado pelo Senado e remetido à Câmara dos Deputados no final de junho. Dispõe sobre instrumentos de proteção, incentivo e recompensa a informantes que noticiem crimes ou atos ilícitos no mercado de valores mobiliários ou em companhias abertas. Seu principal propósito é estabelecer um programa de incentivos a colaboradores das empresas ou qualquer pessoa que denunciem fraudes.
É algo muito parecido com o que já existe com o chamado Whistle and Blow nos Estados Unidos, onde se criou um mecanismo de denúncias a serem feitas diretamente à Securities and Exchange Commission, agência independente responsável por proteger e regular o mercado de capitais, análoga à nossa Comissão de Valores Mobiliários (CVM). A União Europeia também regulamentou a proteção dos profissionais que denunciem práticas ilegais no local de trabalho.
Com o PL, portanto, estamos avançando nessa questão. Cabe esclarecer que não se trata de uma figura jurídica igual à delação premiada, pois as informações e denúncias focadas na proposição devem ser feitas por pessoas não envolvidas na fraude.
O projeto também prevê a declaração por parte dos administradores sobre a estrutura dos controles internos. É um sistema semelhante ao modelo SOX (Lei Sarbanes-Oxley) já existente nos Estados Unidos e no Japão.
Os administradores precisarão fazer testes sobre os controles internos, emitindo declaração de que estão funcionando perfeitamente. Isso precisará ser chancelado pelos auditores externos, que, assim, também terão a responsabilidade de testar os controles internos, com dois objetivos: validar a declaração da administração e avaliar se está correta ou não; e analisá-la como parte integrante dos procedimentos que já fazem na asseguração das demonstrações financeiras.
Ampliar as ferramentas voltadas a coibir atos ilícitos é fundamental, pois, infelizmente, sua ocorrência continua grave em todo o mundo. O Report to the Nations 2024 da Association of Certified Fraud Examiners examinou 1.921 casos de fraudes em empresas, em 138 países, sendo 93 na América do Sul e Caribe. É interessante notar, referendando a importância do PL quanto ao estabelecimento de canais para que os colaboradores possam fazer denúncias, que 43% das fraudes citadas pelo estudo foram detectadas por meio desse mecanismo.
Nos atos ilícitos orquestrados por proprietários e/ou executivos, as perdas financeiras foram mais do que sete vezes maiores do que as originadas em atos realizados pelos funcionários. Outro dado a ser enfatizado no estudo diz respeito ao significado de identificar rapidamente o problema: fraudes descobertas em menos de um ano provocaram perda média de 50 mil dólares; as desmascaradas em 10 anos ou mais causaram prejuízo médio de 250 mil dólares.
Quanto aos mecanismos antifraude, a auditoria de demonstrações contábeis foi apontada como o segundo mais comum (84%), enquanto o código de conduta é o mais recorrente (85%). Segundo os entrevistados, mais da metade dos casos ocorreu devido à falta de controles internos (32%) ou sua substituição (19%). Em 82% das ocorrências, as organizações modificaram seus controles antifraude após as ocorrências.
Diante dessa dura realidade, os dois projetos de lei em curso no Brasil são importantes para proporcionar mais transparência e impor um nível de governança mais robusto na prevenção, identificação e aplicação de sanções em casos de fraude.
Assim, contribuirão para ampliar a atratividade do mercado de capitais, melhorar a credibilidade das empresas e proporcionar mais confiança aos investidores, com reflexos positivos na economia e na sociedade.
* Sebastian Soares é presidente do Ibracon – Instituto de Auditoria Independente do Brasil
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